sábado, 27 de agosto de 2011

Inspirações passageiras

Imagina que voce está de frente pro mar,
a água vem e te chama lambendo seus pés.
Vai sutilmente sentindo o gelado no seu corpo
aos poucos se forma uma onda que voce mergulha...
sente o estar dentro do ventre materno do universo, o renascimento.
Vem a onda, forma grande rapida forte, avassaladora,
mergulho tão suave mas a força consegue carregar
o circuito da agua faz girar, e girar...
até o ponto de tanto sufocar
a  ultima força para tentar escapar,
sobe ,
respira,
la vem outra na sequencia. quase morre.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

construindo

Diário de Bordo - 39º capítulo por Lazuli Galvão, atriz.
Rio de Janeiro - julho 2011



Esperei a chegada do momento em que eu realmente sentisse que aqui estava de novo, em mim, plena dos meus
motivos para sorrir e chorar, depois do processo de criar um personagem, de ser conquistado por ele, observar as diversas formas em que a vida pode se perdurar durante a existência. Aqui chegou o momento em que meus dedos soam sobre o teclado ao tentar verbalizar a proporção do trabalho do ator, dessa conquista que alguns sentem necessidade de desenvolver.


Duas semanas entre o mês de Junho e Julho de 2011, na companhia do sábio, experiente e sensível humano,
Sergio Penna, já tão solicitado e reconhecido pelos artistas que tem a decisão de aprofundar o estudo e composição do personagem. Sim, privilegiados somos nós que temos a oportunidade exercitar ao lado dele, e ouvindo relatos preciosos e íntimos, do processo de outros artistas que vem valorizando o cinema nacional em uma década. No meu entender, estamos cada dia mais evoluindo em produção, investimento e estudo profundo, com todo clamor às oportunidades da vida para que a arte continue a se propagar, as novas mensagens, os espelhos que refletem
na sociedade onde o caminho só pode ser a evolução.
Quanto a isso tenho a relatar que exercitando no aquecimento físico, a troca de energia com o outro, preenchendo o espaço vazio, a concentração e estimulo da respiração pude descer as escadas do Espaço Rampa de Criação em estado de cena e sentir o caminho da atriz em busca de uma personagem que a tocasse. Eu em busca de alguém em Copacabana que de um jeito ininteligível atingisse meu coração. Caminhando por ali à noite, petrifiquei com a concentração de uma manicure. Observando sua postura, seus olhos e gestos, me chamou a atenção. Eu sinto que já tinha alguma natureza dessa escolha em mim, na minha intuição. Mas foi apenas uma observação. Inclusive
observar a posição de prestador de serviço e patrão. Voltei para casa.
No dia seguinte, antes de encontrar com todos, fui caminhar até o salão, mas não o encontrei. Assim, passei a observar os diversos salões, e observar aquelas manicures esperando sua vez na fila para atender, o clima desses ambientes, a relação com as clientes, mas ao mesmo tempo, andando, terminando o quarteirão tinha alguma coisa me fazendo resistir, uma repulsa, não sei.


Parei no sinal para atravessar a rua e no tempo de um suspiro, me deparei com a comunidade do Pavão, Pavãozinho
colorindo meu ângulo de visão. Mudei meu rumo e subi as escadas da comunidade. E a cada passo que dava, descobria um frisson na minha respiração. Ia descendo a ladeira, conhecendo o Museu de favela, com pintura de imagem de santa na parede, vendo a vida das moradoras dali, observando uma mãe subindo os degraus
com suas filhas, uma no colo e no outro, sacolas de supermercado. Dificuldade e fé, e num suspiro o esboçar “Sou filha de Deus!” Percebi a umidade das paredes mofadas, a humildade dos pés descalços sem frio já tão acostumados. Cada olhar de curiosidade sobre a minha pessoa que estava ali, que não se adequava aos demais.
Voltei, o mestre me encaminhou, me deu uma direção e com isso pude anotar e organizar todas as informações e
assim, pertencer aquele lugar que de direito me tocou.
Fiquei esperando na fila da Kombi para subir a comunidade, e como demorava tanto, ali seria um ótimo lugar para
eu observar os perfis daquelas mulheres, mas eu queria mais. Não queria perfis, eu a queria! E já um poço de curiosidade e querendo me dominar de emoção, perguntei por onde passava para outra senhora, e ela me perguntou onde eu queria ir, e veio na minha cabeça “ salão, claro, o salão, vou fazer minha unha... ótimo!” Seria uma ótima desculpa. E ela respondeu, “ah é no salão? Ta bom, você salta lá, eu te digo...” e fui eu com a sensação de perfeição, estar no lugar certo na hora certa. La realmente tinha um ponto da Kombi que era no
salão! Mas quando cheguei ao ponto do salão, o mesmo já tinha virado loja de roupas!!! E agora?  Não é mais salão?
Elas perceberam a minha frustração e perguntaram se eu queria fazer a unha, e enfim uma delas que estava ao meu lado me indicou um salãozinho, dentro de um bequinho... E la fui eu... Fui levada até minha personagem, me arrepio ao lembrar.
Encontrei a manicure em seu momento de trabalho. Fazendo as unhas dos pés de outra moradora. Eu perguntei
se podia fazer minhas unhas, e claro, fiquei esperando e observando a Jéssica! Pedi pra fazer igualzinho! E não é que ela se parecia comigo fisicamente! Tinha cabelos castanhos, e pele clara, magrinha.  Me encantou. “A Jéssica arrasa!”
Observei-a fazendo minhas unhas, seu capricho, observei sua família chegando, o dia escurecendo, ouvindo suas histórias, seus assuntos, o valor da sua simplicidade, às vezes até dando uma opinião qualquer sobre a televisão, ou qualquer outra coisa, para eles se sentirem bem à vontade. Depois de tudo desci, repleta de inspiração!
Não parei por aí, continuei a observar, no dia seguinte, passei pelo salão da Jéssica, dessa vez ela fazia algo no
cabelo de alguma cliente, comi um queijo quente no barzinho, sentei em frente a um grafite na parede e lá estava bem bonito, colorido o nome de minha personagem. Ajudei outra mulher, com seu bebê a subir com as compras, observei
sua casinha, seus filhos e cachorro.  Mas aí  já tinha adotado muito de suas características, e pouco me abri, mas não gerava mais olhares suspeitos, eu já poderia fazer parte daquilo. É incrível observar essa mudança agora, os
moradores me percebiam passando, mas eu já poderia pertencer àquele lugar.



E daí se deu a criação, e o mestre indicou a passar de observador e enfim escrever em primeira pessoa do
singular:
"Deus todo poderoso é quem me guia e Maria da Penha, minha mãe é quem me protege. Há anos cheguei nessa cidade do Rio de Janeiro, fiquei na comunidade do pavão pavãozinho. Senti uma estranheza
muito grande quando cheguei, perguntam de onde eu venho, nunca respondo. Meu amor, o “Nem”, conseguiu alugar nosso canto, a gente vai casar. Ele tem um bar, mas eu nunca bebo. Economizo. A vizinhança é tranqüila, as mulheres são guerreiras, carregam seus filhos. Há um ano e meio fui bem recebida por essa família. O mundo gira la
fora, lá por Copacabana, no palácio das princesas, mas eu vivo aqui na minha comunidade. Se tivesse sol, eu ia a pé dar um mergulho no mar! Olha que onda! Eu tenho umas clientes, e vou à casa delas fazer minha arte, cada apartamento grande e a gente vive todo mundo tão apertadinho. O teto é baixo, é la em cima, não
pode ficar com medo de descer, porque o pessoal às vezes tem medo por causa do tráfico. A bandidagem acabou, mas a droga continua. A gente dorme todo mundo junto no mesmo quartinho.
Eu vou fazer minha faculdade, mas só quero fazer a minha família, ter meus filhos e ser feliz. Eu fico me acordando de tanto frio que esta.
Se eu penso em me mudar? Ir morar na pista? Bem que eu queria, aqui não dá nem pra colocar um sapato claro, é
muita lama e cocô de cachorro! Toda hora eu piso na merda!  No dia do casamento eu nem sei como é que vai ser.
Vai ser tudo muito simples, a minha família vem de Juiz de fora.
Nycolle"
“A fé colore as penas do pavão,
do pavãozinho”
Até na hora de escrever, eu vi o desenho da minha letra se modificar. Ouvi algumas músicas que inspiravam
sentimentos e me levavam a estágios insanos de lucidez com imaginação e ilusão. Ajudavam a colorir e desenvolver uma memória que estava sendo criada e vivenciada.

Deus todo poderoso - Baia
Maria da Penha - Baia
Ive Brussel - Jorge Bem
Fico assim sem você - Claudinho e Bochecha
A francesa - Marina Lima

Dentre outras que trilhavam meu caminho, inclusive as que outros atores apresentavam, me despertavam sensações
singelas.

Depois disso, tivemos uns encontros filmados, permanecemos entregues ao personagem por horas, até a
câmera vir capturar momentos de pequenas trocas, de suspensão entre um e o outro.  Eu tive o caminho muito
ilustrado, pude me abrir e viver aquilo, não desistia, persistia. Me movimentava e respirava, e as situações foram acontecendo, como descer as escadarias, chegar à frente do guichê do metrô e realmente não achar o dinheiro suficiente no bolso, voltar, descobrir uma solução pro acaso e poder já levar uma situação quando estava frente a frente com minha parceira. Disponível a “outrar” preenchida de verdade e fé cênica. E isso também na nossa festa, que aos poucos as situações iam surgindo de tão imersos que estávamos nas condições humanas que ali estávamos vivenciando.
Essa noturna foi realmente incrível.

 Enfim todos juntos, livres, podendo trocar, reagindo sutilmente. O
meio promovia e as personagens viviam.
Engrandecida com a experiência ao lado de todos vocês. Muito agradecida.


Vai, coloca uma roupinha e vai para beira do riacho esperar o rapto...